23/02/2012

Um Trabalho Sujo


A mitologia criada/adaptada pelo autor é muito interessante ― temos os ceifadores “coletores de almas”, cães infernais, referências ao Livro Tibetano dos Mortos, deuses da morte que se esgueiram pela cidade… Etc. Somos apresentados a Charlie, cuja filha acaba de nascer e cuja esposa está prestes a morrer – só que ele não sabe. Charlie acaba “vendo” um Coletor de Almas que vai lá atrás da alma de sua esposa, algo que, a princípio, não deveria ter acontecido.


Nos primeiros capítulos acompanhamos o sofrimento de Charlie e de sua família por causa da perda da esposa e mãe da filha dele, e depois vamos sendo apresentados àquilo que ele mesmo se tornou – só que demora um pouco a descobrir: ele mesmo se tornou um dos Coletores de Almas. Uma das personagens mais cômicas é a funcionária gótica de sua loja ― ele tem uma lojinha de itens usados diversos, e as coisas em sua loja começam a brilhar e… em determinado momento, depois de muita confusão, ele acaba descobrindo que tais objetos são receptáculos de almas.

“Lily, a jovem gótica de cabelos acaju que trabalhava para Charlie três tardes por semana, costumava dizer que o fato de não conseguirem encontrar nada era uma prova da Teoria do Caos em funcionamento, depois resmungava qualquer coisa e saía em direção ao beco para fumar cigarros de cravo e olhar para o Abismo.”

“Nos últimos tempos, depois que descobrira as Fleurs du Mal de Baudelaire numa pilha de livros usados na salinha dos fundos, Lily pontuava o que dizia com frases em francês. “O francês expressa melhor a profunda noirness da minha existência”, dizia ela.”

 É interessante a abordagem do autor com as pessoas que amam tanto objetos que suas almas acabam indo parar neles. E há pessoas sem alma caminhando pela Terra que precisam ser “donas” dessas almas.  Moore faz piada com tudo e com todos. Ele faz vários comentários sobre atitudes dos estereótipos de macho alfa/beta.  Tem todo um lado da trama que é bem realista, ao passo que várias situações são tão absurdas embora se encaixem perfeitamente na trama.

 “― No me provoque! ― disse a Morte com cabeça de touro.
Ergueu-se e saiu andando pelo cano, à frente das outras Mortes, as Morrigan, na direção do centro financeiro. Era lá que estava enterrado o navio da época da Corrida de Ouro onde moravam.”

E a Morte, onde ela está? E quais são os papéis desempenhados pelos Deuses da Morte? É tudo bem explicado: os deuses em que as pessoas deixaram de acreditar acabam ficando decadentes, e viram meras sombras do que já foram… tornando-se algo terrível, às vezes… e é claro que eles não deixam de ser criação humana, afinal todos os deuses foram criados pelos seres humanos e depois, muitos foram esquecidos por eles. E vários foram demonizados também.

O autor usou temas muito interessantes com maestria, em uma ótima mistura de humor, sarcasmo, drama, transformando por vezes o grotesco em belo e o belo em grotesco, tudo é muito bem explicado. 

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