O mais importante intelectual italiano
vivo, imbatível nos estudos de semiótica, Umberto Eco é, também, um romancista
de talento incomparável. Mestre em criar tramas engenhosas, capazes de mesclar
vários níveis de linguagem, personagens e ações, se tornou conhecido mundo
afora com o sucesso de
pública e crítica O nome da rosa. Três décadas depois desse estupendo thriller,
Eco retorna com um dos mais antecipados — e controversos — livros dos últimos
anos: O cemitério de Praga. Quatrocentos mil exemplares vendidos na Itália em
um mês.
Um tratado sobre o mecanismo do ódio, e
espécie de síntese da história do preconceito, o livro causou desconforto
em setores mais conservadores da sociedade italiana, principalmente entre
religiosos, por misturar personagens históricos a um anti-herói fictício,
cínico e maquiavélico, capaz de tudo para conseguir se vingar de padres,
jesuítas, comunistas, mas, principalmente, dos judeus. Repleto de teorias da
conspiração, falsificações, assuntos maçônicos e detalhes da unificação
italiana, é no antisemitismo que repousa o coração da narrativa.
O cemitério de Praga também lembra um dos mais impressionantes episódios de falsificação da história: Os protocolos dos sábios de Sião, um texto forjado pela polícia secreta do Czar Nicolau II para justificar a perseguição aos judeus. Os escritos, que se acredita terem sido baseados em um texto francês — Diálogos no inferno entre Maquiável e Montesquieu — descreviam um suposto plano para a dominação mundial pelos israelitas. E serviriam de inspiração a Hitler para os campos de concentração.
O
odioso Simonini, que o próprio autor define como um dos mais repulsivos
personagens literários já criados é um mestre do disfarce e da conspiração. Um
falsário a serviço de vários governos. Do nordeste italiano até a Sicília de
Garibaldi, das favelas de Paris às tabernas alemãs, passando por missas negras,
o bombardeio a Napoleão III, a Comuna de Paris, o caso Dreyfus, o
Ressurgimento, Simonini é todas as revoluções, as más escolhas, os erros do
século XIX, que Eco reconstrói com grande rigor histórico, entre tomadas de
poder e revoluções.
Com
ar de novo clássico, O cemitério de Praga leva as mentiras históricas a novos
patamares e revela, ainda, ferramentas usadas por falsários e propagandistas.
Um trabalho memorável de filosofia da história e a natureza da ficção. Eco em
sua melhor forma.
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